Sonhos
Sonhos. Uma experiência humana universalmente vivenciada mas pouco compreendida.
Passamos em média 1/3 de nossas vidas vivos em uma realidade, diferente da realidade concreta e materializada a qual comumente nos referimos como a única realidade. Digo assim, pois é inegável o fato de que enquanto estamos sonhando, aquela realidade é real. E somente quando acordamos reconhecemos o acontecido como um sonho. Algumas vezes ficamos aliviados de que “aquilo fora somente um sonho”, outras vezes acordamos e sentimos uma frustração por “ser somente um sonho”. Mas em geral, a realidade onírica é considerada menos real do que a realidade material. E é ai que há um grande mal-entendido. A realidade onírica é real tanto quanto a material, e mais, a realidade psíquica é preponderante perante a realidade material. Segue abaixo um trecho transcrito do filme Matter of Heart(1983), um documentário sobre C.G. Jung, onde Marie Louise von-Franz compartilha sua experiência inicial com Jung, e clarifica meu ponto.
“Ele contou essa história que você pode ler nas Memórias sobre essa garota que estava na lua e teve que lutar contra um demônio, e o demônio negro a pegou. E ele fingiu, ou ele disse de uma maneira como se ela realmente estivesse na lua e isso tivesse acontecido. E eu fui muito racionalmente treinada na escola, então eu disse indignada: “Mas ela imaginou estar na lua, ou sonhou, mas ela não estava na lua”. E ele olhou para mim com seriedade e disse: “Sim, ela estava na lua”. Ainda me lembro de olhar por cima do lago e pensar: “Ou este homem é louco, ou sou muito burra para entender o que ele quer dizer.” E então, de repente, me ocorreu: “Ele quer dizer que o que acontece psiquicamente é a realidade real, e essa outra lua, esse deserto pedregoso que circunda a terra, isso é ilusão, ou isso é apenas pseudo-realidade”. E isso me atingiu tremendamente fundo.”
Os sonhos têm um papel sim, e muito importante na verdade. O pioneiro dentro do trabalho de interpretação do material onírico fora Freud. “Ele atribuiu ao sonho o papel de guardião do sono, impedindo a irrupção de impulsos reprimidos”. (Hall, p.30, 1985) Jung já aprofunda no processo onírico e reconhece um sonho como um processo psíquico natural , regulador e análogo ao posicionamento limitado do ego na vida vígil.
Existem três maneiras que o sonho serve como forma de compensação a partir da análise junguiano. “Em primeiro lugar, o sonho pode compensar distorções temporárias na estrutura do ego, dirigindo o indivíduo um entendimento mais abrangente das atitudes e ações. Por exemplo, alguém que está furioso com um amigo, mas descobre que a fúria se dissipa com rapidez, poderá sonhar que investe furiosamente contra o amigo. O sonho recordado devolve para nova atenção uma quantidade de fúria que havia sido reprimida, talvez por razões neuróticas. Também pode ser importante para o indivíduo que sonha perceber que complexo foi constelado (ativado) na situação”. (Hall, p.31, 1985). Em outras palavras, o sonho pode servir como uma mensagem do inconsciente para o ego ampliando sua perspectiva limitada.
Uma outra forma de compensação do mundo onírico são sonhos onde a psique coloca o ego em face de uma necessidade de adaptação mais profunda em relação ao processo de individuação. “Isso em geral ocorre quando o indivíduo se desvia do caminho pessoalmente correto e verdadeiro”. (Hall, p.31, 1985)E uma terceira maneira mais profunda ainda e sutil é quando o sonho serve como uma realidade para lidar e alterar complexos diretamente, uma vez que o ego onírico é uma identidade parcial do ego vígil. Este último caso começa e costuma ocorrer conforme o indivíduo se relaciona com seu mundo onírico através da análise, pois estes sonhos estão relacionados com maior consciência e relação com o mundo criativo.É sempre bom ter em mente que a psique está muitos passos a frente do ego, então o sonho não deve ser tomado como algo corriqueiro e de significado banal. E sim como uma mensagem de “alguém” que tem uma visão muitíssimo mais ampla que a sua. O inconsciente amplia a visão do ego através do sonho, logo o sonho lhe mostra algo que você não está vendo e, sim, é importante.Diria que a grande pergunta para ter em mente é “ O que o inconsciente está querendo me mostrar através deste sonho?” E a partir daí construir a interpretação observando os sentimentos relacionados ao sonho, os símbolos e coisas que lhe chamam atenção. Dentro de um processo de análise junguiano, essa interpretação se expande na imaginação ativa, e se aprofunda nos processos alquímicos e arquetípicos da psique objetiva.
O grande ponto é que “a interpretação de um sonho permite que se preste um pouco de atenção consciente na direção em que o processo de individuação já está se desenrolando, embora inconscientemente. Quando bem-sucedida, tal associação de vontade consciente e dinamismo inconsciente promove e favorece o processo de individuação com mais rapidez do que é possível quando os sonhos ficam por examinar”. (Hall, p.33, 1985)
Gabriel Cop Luciano
Referência Bibliográficas:
https://www.youtube.com/watch?v=IKl91t-FFCo&t=139s
HALL, James. Jung e a interpretação dos sonhos. São Paulo: Cultrix, 1997