A Jornada do Herói – A preparação e seus Arquétipos
“Eu”. 8 bilhões de seres humanos no mundo e todos se referem ao mesmo “eu”. Mas o que o meu “eu” realmente difere do seu “eu”? Todos sabemos que somos únicos. Existe um senso profundo, que surge do inconsciente e fica as margens da consciência, que nos fortalece na certeza de que sou singular. Nosso Ego naturalmente cria as fronteiras do limiar entre “eu” e os “outros” e a vida segue. Mas de vez em quando, a Vida bate na nossa porta, e um profundo questionamento surge…
Quem sou eu…?
Por trás dessa simples pergunta, há implícito um rompante de energia psíquica querendo experienciar essa singularidade. O que genuinamente há de único em mim perante meus ancestrais e perante o inconsciente coletivo? A busca pela “minha” Verdade então começa. Aquela Verdade mais íntima que afirmará de forma experiencial a “minha” singularidade.
Esse chamamento perante a Jornada acontece com todos. É um padrão arquetípico. E assim como a Jornada, as fases pela qual o herói passa também são forças arquetípicas.
O conforto de estar vivendo uma vida através de uma persona bem adaptada socialmente é balançado por um questionamento profundo. Um choque de realidade. Um tremer da própria base de sustentação da identidade que o Ego está se relacionando. A máscara que uso diariamente quando saio de casa já não mais é adequada. O arquétipo do Inocente. Aquele quem tem uma certa “pureza” perante a Verdade, assim como uma criança. Aquele que vive esperando algo da vida, e que acredita inocentemente em tudo e todos, seja bem ou maldizeres. Aquele que também julga inocentemente e é jogado pelo pêndulo dos opostos, de um extremo ao outro; ou isso é certo ou errado, bom ou mal, justo ou injusto; e não há uma conciliação dos opostos, um caminho do meio. Aquele que sua principal ocupação é esperar, até que a vida o chacoalhe. “A jornada do Inocente, em todas as suas versões, começa com uma espécie de utopia: um ambiente seguro, tranquilo e amoroso. Subitamente, somos arrancados desse ambiente e caímos num mundo onde somos julgados pelas outras pessoas, discriminações injustas são feitas, o conflito e a violência se espalham cada vez mais e as ilusões são destruídas” (Pearson, 1991, p.94). A principal meta do Inocente é permanecer em segurança. Sentir-se seguro é crucial para o Inocente, logo seu principal medo é o abandono. O sentir-se negado, rejeitado e esquecido. Por isso, a vida o chacoalha e o coloca frente a
frente com seu maior medo. Um medo profundo, mas que enfrentá-lo é pré-requisito para chegar ao “pote de ouro no fim do arco-íris”. A sua Verdade.
O segundo arquétipo então se apresenta. O Órfão. “Quando o Órfão é dominante em nossa vida, o mundo parece um lugar sem esperança. Fomos abandonados por quaisquer figuras paternais que pudessem nos resgatar e ficamos num ambiente habitado por apenas dois tipos de pessoas: os fracos, que são vítimas, e os fortes, que ignoram ou maltratam os fracos. A experiência emocional da vida do Órfão é a de uma criança que chora num berço sabendo que ninguém virá ajudá-la. A criança acaba parando de chorar mas a dor e a solidão que tem dentro de si não desaparecem. Às vezes o Órfão se sente um exilado.” (Pearson, 1991, p.105). A vida é sábia, muito sábia. E uma vez que ela nos chacoalha, todos sentimentos reprimidos vêm à tona. Para cruzarmos o limiar de nosso Ego e irmos de encontro às profundezas da Alma, precisamos primeiro nos preparar para essa Jornada. Devemos fortalecer o Ego. O primeiro passo é se deparar com esses sentimentos e senti-los de forma plena. Aceitar e mais, concordar com tais sentimentos que nos causam tanta dor. Somente assim é possível um real fortalecimento do Ego. O Órfão é um estágio muito comum na sociedade. Pessoas adultas manifestam o arquétipo do Órfão muitas vezes na forma de revolta. Revolta contra o mundo, contra o governo, contra o chefe, e contra si mesmo. Existe muita raiva junto da dor do abandono. Um profundo sentimento de injustiça embutido nas entranhas da rejeição. Por isso é de extrema importância se abrir para sentir o que precisa ser sentido, para que haja uma movimentação de energia psíquica que desperte o próximo arquétipo.
O Guerreiro. O arquétipo mais relacionado com o próprio herói. Aquele que toma uma ação de sair em busca de um propósito. Aquele que realmente cruza as fronteiras de um mundo conhecido e vai em busca de uma Verdade maior. “O Guerreiro que existe dentro de cada um de nós pede que tenhamos coragem, força e integridade; que possamos estabelecer metas e perseverar no esforço de atingi-las; e que sejamos capazes de lutar, quando necessário, por nós mesmos e pelos outros. O Guerreiro exige um elevado nível de compromisso com a sua própria integridade.” (Pearson, 1991, p.117). O Guerreiro dentro de nós desperta quando aceitamos nossa condição humana. Uma vez que entro em contato com sentimentos há muito reprimidos ou ignorados, posso então fazer algo com isso. A integridade é crucial. A integridade de sentir plenamente aquilo que há muito me acompanha mas que reprimo para não sentir dor, e a integridade de olhar de forma realista e com lucidez perante a realidade que está sendo vivida. Será que quero continuar vivendo desta forma? Será que estou pleno ou estou vivendo algo como “está bom mas não está”? E essa é a motivação inicial do Guerreiro. A motivação de fazer diferente.
O quarto e último arquétipo com relação ao desenvolvimento do Ego se apresenta, uma vez que o herói aceita sua Jornada e a inicia aliado ao arquétipo do Guerreiro. O Caridoso. Aquele que inicialmente reconhece sua carência emocional e age de forma altruísta ajudando os outros. É aquele que contém a dádiva da compaixão e através da mesma se conecta com os outros, reconhecendo sua humanidade compartilhada. Reconhece que assim como outros seres humanos, ele também sofre e também precisa de ajuda muitas vezes. E conforme a Jornada se auto-concretiza, o Caridoso dentro de nós aprende a disposição de cuidar de si e dos outros de forma integra. E é doando que se recebe (talvez essa seja a frase que mais motiva o Caridoso). E ele o faz de forma genuína. E assim o herói se conecta com o mundo e seus habitantes e os aliados se apresentam devido sua generosidade. Aliados que lhe serão extremamente importantes na Jornada, pois o limiar do Ego está para ser cruzado e as profundezas da Alma o aguardam.
Gabriel Cop Luciano